Como forma de contextualizar a importância da anorgasmia feminina na população, vou relembrar um estudo publicado em 1999 no JAMA por Edward O. Laumann em que um questionário foi aplicado a 1749 mulheres* nos EUA. Através deste estudo concluiu-se que naquela população, a incidência era consideravelmente maior em mulheres negras (32%) e naquelas divorciadas, separadas ou viúvas (32%). Com relação a faixa etária a distribuição variou pouco entre os grupos etários, apresentando incidência variando entre 23% e 26% na faixa dos 18 aos 60 anos.
Por definição, anorgasmia é a dificuldade persistente ou recorrente em se atingir o orgasmo mesmo com estimulação sexual e excitação adequadas. Orgasmo por sua vez é definido como um reflexo biológico inato a todo ser humano, caracterizado por sensação de euforia e prazer que é atingida ao se alcançar o ponto máximo da estimulação sexual. Por ser considerado um reflexo, considera-se que se existir estimulação sexual suficiente ele irá ocorrer, contanto que não seja reprimido.
É importante salientar que a estimulação sexual considerada adequada, não está vinculada necessariamente à penetração, podendo ser obtida por estimulação clitoriana e/ou vaginal por diversos meios. Neste caso, quando falamos de prazer, falamos de algo muito mais ligado ao modo como a pessoa lida com o próprio corpo e com o próprio erotismo, do que com o estímulo físico proporcionado pela relação com o(a) parceiro(a). Quando atingido, o orgasmo é variável em apresentação e intensidade.
Pode-se classificar a anorgasmia em quatro tipos básicos a depender da condição e do momento em que se manifestam (primário, secundário, coital e situacional). O tipo mais frequente é a anorgasmia primária, ou seja, quando nunca se conseguiu atingir o orgasmo. A anorgasmia secundária é aquela que ocorre quando já se atingiu o orgasmo em algum momento da vida, mas parou de atingi-lo após algum evento.
Dentre as possíveis causas de anorgasmia secundária podemos citar: uso de medicações (bloqueadores alfa1-adrenégicos, benzodiazepínicos, antidepressivos), abuso de drogas (álcool, opióides), contextuais (nascimento de um filho, descoberta de infidelidade, estresse) e traumas/doenças (radioterapia pélvica, trauma de medula espinal, lesão de nervos pélvicos e da genital externa). É comum a associação de anorgasmia com a necessidade exagerada de autocontrole e com o excessivo foco no prazer sexual do(a) parceiro(a), fazendo com que a pessoa se desvincule da relação sexual. Esses mesmos gatilhos também podem estar relacionados a ejaculação retardada em homens**.
A anorgasmia coital é caracterizada pela impossibilidade de obter o orgasmo, com o(a) parceiro(a), através do coito vaginal (frequentemente relacionada à dispareunia). A anorgasmia situacional ou seletiva, é caracterizada pela obtenção do orgasmo somente em situações específicas ou com parceiros(as) específicos(as). É normal que nestes casos desenvolvam-se alguns fetiches, que estão interligadas com as situações que lhes provocam prazer.
Assim como em diversas outras disfunções sexuais femininas, a investigação inicial inclui consulta com o Ginecologista, o qual irá firmar o diagnóstico e afastar outras possíveis patologias ou avaliar possíveis substituições medicamentosas quando oportuno. Após o diagnóstico firmado o tratamento envolve terapia sexual ou psicoterapia.
* Tal condicao é passivel de ser observada em qualquer pessoa com vagina que seja ativa sexualmente.
** Tal condicao é passivel de ser observada em qualquer pessoa com penis que seja ativa sexualmente.